Você deve ter alguma lembrança da Dona Benta lendo para os netos e as outras criaturinhas do Sítio do pica-pau amarelo, certo? Ela mostrava o livro, contava sobre o escritor, sobre a capa, sobre a edição, adaptava a linguagem, estimulava as perguntas, a imaginação, outras histórias etc. E é a partir dessas leituras que se desenrolam a maioria das aventuras fantásticas que Narizinho, Emília, Pedrinho e companhia vivem nas histórias de Monteiro Lobato. Dona Benta seria, assim, uma mestra na arte de ler com crianças¹.
Mas, com a vida atribulada como é nos dias de hoje, quem lê para as crianças por diversão, como fonte de prazer? É preciso tempo para ler com os filhos, mas, mais que isso, é preciso também um bom tanto de paciência. Até pela natureza da atividade, certo?
Segundo Giane Sales e Cristina Vilas, pedagogas e sócias da assessoria educacional Devir, “a leitura tem exigências próprias, diferentes dos outros objetos de conhecimento do mundo. Ela é uma atividade contemplativa, que exige a interrupção do tempo acelerado dos jogos digitais e mídias sociais: requer um olhar mais atento, tempo para pensar, para sentir”.
Elas afirmam que, mesmo que a organização do tempo seja um problema para muitas famílias, é importante que a leitura compartilhada aconteça, não importa onde nem quando. Isso porque ela é, antes de mais nada, um momento afetivo, de intimidade, de encontro entre a criança, o adulto e o livro.
De acordo com as pedagogas, “a presença amorosa e atenta dos adultos da família permite às crianças estabelecerem relações de afeto com os livros e suas histórias, mas também, e principalmente, com esses adultos”. Para o escritor Moacyr Scliar, a criança se sente confortada nessa interação, o que ocorre por duas razões. A primeira é a presença “reasseguradora” do pai ou da mãe (ou de outro adulto que leia com ela!). A segunda é a própria história: “Histórias nos dão, senão a certeza, pelo menos a sensação de que as coisas no mundo fazem sentido, que elas têm um começo, um meio e um final”.
A Giane e a Cristina indicaram alguns elementos que, ainda que não sejam definitivos, já que não há apenas uma maneira de ler com as crianças, podem enriquecer esse momento. Se você prestar atenção, vai ver que a sábia Dona Benta põe em prática a maioria deles!
Leia para e com a criança os livros que ela escolheu e aqueles escolhidos por você. Contudo, não associe esse momento às atividades escolares.
Os adultos da família, de preferência, também devem ler seus livros, revistas, jornais etc. É importante compartilhar sua condição de leitor.
Converse com as crianças sobre os livros que estão lendo. Permita (e estimule) que elas falem dos livros que leram ou desejam ler.
Mesmo que as crianças já saibam ler convencionalmente e com autonomia, continue lendo com elas e para elas.
Visite bibliotecas e livrarias.
Elas ressaltam ainda que as crianças devem ser estimuladas a pegar, ver e sentir a materialidade do livro desde pequenas, sem medo de rasgar e estragar. De acordo com Marisa Lajolo, professora da Universidade de Campinas (Unicamp), “ler é mesmo uma delícia, um grande prazer. Mas só para quem sabe, pois o prazer da leitura é um prazer aprendido. Para gostar de ler literatura, é preciso aprender”².
O resultado desse envolvimento e desse aprendizado é levado para a vida toda, defendem Giane e Cristina: “Ler literatura satisfaz nossa necessidade de fantasiar e, como consequência, amplia nossa possibilidade de compreender criticamente e dar sentido às nossas experiências e às experiências dos outros. Em suma, nos dá um lugar no mundo e a possibilidade de transformá-lo”.
A ideia principal ao ler com a criança é a de criar um vínculo e passar um tempo gostoso com ela em meio a boas histórias. Essa lembrança cheia de carinho é reforçada a cada leitura e vai ficar intimamente associada ao ato de ler, que se torna natural para a criança e desejado por ela. As formas de começar ou enriquecer essa atividade são muitas, que tal encontrar uma que tenha a ver com você e com o seu filho?
¹ Socorro Aciolli, Aula de leitura com Monteiro Lobato, Editora Biruta.
² Marisa Lajolo, Meus alunos não gostam de ler… o que eu faço? Disponível aqui.