Texto escrito por Gabriel Rodrigues Penatti, produtor fonográfico e organizador dos eventos do Colégio Uirapuru. Gabriel escreve sobre o livro “A noite do meu bem”, de Ruy Castro, e nos conta parte significativa da trajetória da música popular brasileira. Todos nós sabemos que o Brasil é o país do samba e para homenagear este estilo musical riquíssimo, o texto de hoje vem repleto de informações que nos ajudam a contextualizar nossa identidade musical. Aproveite para conferir a playlist ao final do texto, é imperdível!
Quando pensamos em música brasileira e nos timbres e ritmos que compõem a nossa cultura, logo encontramos grandes nomes como os de Caetano Veloso, Roberto Carlos, Elis Regina, entre outros, mas o que havia antes do surgimento dessas figuras tão presentes em nossa identidade? Durante as primeiras décadas do século XX, o samba cristalizou-se como gênero musical em meio a outros ritmos populares que faziam parte do cenário musical da época, como o maxixe (o tango brasileiro), o bolero e o choro; o samba foi uma importante matriz no desenvolvimento estilístico da Música Popular Brasileira.
Ao longo do processo de consolidação do samba e da música carnavalesca na cultura popular do Brasil, na década de 1930, a produção dos discos de vinil de 78 rotações, ainda passavam por um processo de desenvolvimento e adaptação, em virtude do rápido aperfeiçoamento tecnológico da captação de áudio no Brasil. Devido à popularização e à gradativa melhora na qualidade das transmissões, o rádio tornou-se a principal forma de difusão da música no Brasil. Artistas oriundos da fase inicial do samba, como Francisco Alves, Mário Reis, Donga, Aracy Côrtes, entre outros, consolidaram-se como os primeiros artistas de grande repercussão popular.
A popularização gradativa do samba por meio dos programas de rádio, resultou em um processo de transição do samba originário dos morros para camadas mais abastadas da sociedade carioca nas décadas de 1940 e 1950; o samba se modificou estilística e socialmente. A proximidade com a classe média trouxe o swing feel do jazz norte-americano à pulsação sincopada do samba, além de arranjos de cordas e metais e da temática, predominantemente romântica, colaboraram com a consolidação do Samba-canção. O estilo progressivamente rompeu com o tom carnavalesco do samba das décadas anteriores.
Além dos programas de rádio, outro importante palco para o desenvolvimento desse novo gênero musical, foram as boates de Copacabana. Um ambiente intimista, cuja penumbra favorecia o romance, cantado pelos sambas-canção. No livro “A noite do meu bem”, o jornalista, escritor e biógrafo, Ruy Castro, conta o fim da Era dos cassinos no Brasil, com uma lei de 1946, assinada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, que deixou uma legião de desempregados. Como satiriza o samba-enredo da Império da Tijuca, de 1984:
“Em nome da moral e bons costumes.
Esta lei surgiu. Nove mil duzentos e quinze.
Fechando os cassinos no Brasil.
É proibido jogar, jogar. Jogos de azar.
Dada a ordem nua e crua.
Quantos desempregados no olho da rua.
E a jogatina continua”.
Imagem do Golden Room do Copacabana Palace em 1954
Parte desses desempregados foi absorvida pelas boates de Copacabana, que estavam começando a funcionar, e ganharam um grande impulso com a migração dos profissionais da noite e também dos boêmios, que ficaram órfãos com o fim dos cassinos.
Ruy Castro nos leva a passear pelos luxuosos cassinos, antes que tenham suas portas cerradas, pelos bairros, praias, e outras paisagens que compunham o cenário da música carioca durante a Era de Ouro do rádio. A efervescência cultural do Rio de Janeiro, então capital federal, é muito bem representada em “A Noite do Meu Bem”. De forma leve e descontraída, a atmosfera jornalística, política e social das histórias é entrelaçada por uma vasta discografia. O livro é uma excelente pedida para essas últimas semanas de férias. Outra opção, é viajar nessas histórias por meio da música. Fizemos uma seleção de 10 sambas-canção para você curtir enquanto aproveita as férias. Esperamos que gostem!
Francisco Alves e sua Embaixada do Morro (Rádio Tupi -1939) (Coleção José Ramos Tinhorão)
Ademilde Fonseca s.d. (Coleção José Ramos Tinhorão)
Aponte a câmera do seu celular para o qrCode ao lado, ou clique na imagem, para ouvir a playlist organizada pelo Gabriel com músicas citadas neste livro.
Referências
McCANN, B. Hello, Hello Brazil: Popular Music in the Making of Modern Brazil. Duke University Press, 2004.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular. São Paulo, Art, 1991
https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/13830/15648/16806
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