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  • Maysa Rocha

Tudo vale a pena se a alma não é pequena

Dia 30 de novembro completa 88 anos do falecimento de Fernando Pessoa e para homenageá-lo convidamos a Patrícia Souza, professora de literatura do Ensino Médio aqui do Colégio Uirapuru. Patrícia é Mestra em Filologia e Língua Portuguesa pelo Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH-USP e além de tudo é entusiasta do Pessoa, tendo então propriedade neste assunto tão importante para os amantes de literatura!



Como você acha que a obra do Fernando Pessoa impacta na construção de repertório dos estudantes do Ensino Médio? 


É uma pergunta complexa, né? (risos) Como professora, impacta no sentido dos alunos entenderem a manifestação do modernismo na Língua Portuguesa, então a ruptura que o Fernando Pessoa propõe com o tipo de poesia que já está estagnado. Portugal está vivendo um momento de muita decadência, de muito saudosismo, então quando chegamos nesse momento da aula, pra quem acompanhou a matéria da 2ª série do Ensino Médio, já não aguenta mais ouvir o professor dizendo: ah, é porque Portugal voltou novamente tentando resgatar a glória do passado. Então, quando o Fernando Pessoa vem, é de fato uma grande novidade, um grande estranhamento, então, ele é o grande nome em Portugal, de todas aquelas tendências, vanguardas inovadoras que estavam acontecendo na Europa naquele momento. 


Mas eu acho que o Fernando Pessoa impacta muito mais, não no sentido acadêmico, mas para mim (não sei se é porque eu gosto muito dele), eu acho que ele impacta muito nesse sentido de ser uma voz que fala da crise existencial, que fala das incertezas, de um mundo que está de cabeça para baixo e do quanto nós, como seres, somos contraditórios, o quanto há de Alberto Caeiro em nós? O quanto há de Ricardo Reis em nós? De Álvaro de Campos e de todos os outros. Então, pelo que eu venho observando quando damos essa aula é que alguns jovens se maravilham e muitos falam assim: “eu não estou só”, tem um outro cara que não é louco (risos), que também vivenciou esse drama,  dificuldades e angústias, e que conseguiu colocar isso no papel de um jeito que desse para elaborar melhor a dificuldade do século XX, da modernidade, né?


Fernando Pessoa frequentemente explorou temas como a complexidade e a multiplicidade do “eu”. Na sua opinião, como essas questões são apresentadas nas suas obras e como podemos entender essas? 


Pelo olhar acadêmico, eu entendo o Fernando Pessoa como uma genialidade gigante (é assim que eu explico, inclusive), que não cabia em uma única pessoa e não acho é à toa que ele surge em uma modernidade contemporânea que vai romper padrões pré estabelecidos. Nessa questão da multiplicidade, acho que se não fosse um professor de literatura falando e sim talvez um psiquiatra, ele encaminharia essa resposta por um outro lugar, mas eu como professora de literatura, entendo o Pessoa como uma das raras genialidades que temos, e é tão gigante que não cabe em forma. 


Como leitora, e trazendo Fernando Pessoa para minha vida e tento muitas vezes levá-lo para a sala de aula também, eu acho que a escrita do Fernando e sua heteronímia, traduz nossas contradições como ser humano. Não somos uma única coisa o tempo todo, as diversas máscaras que usamos, as diversas personas que incorporamos em cada situação da vida, seja para se adequar, para se proteger, porque essa é a maneira que temos de sobreviver num mundo tão caótico. Ele me lembra muito do cubismo, que estão todos ali no século XX, não tem mais uma forma, não há mais um único caminho e até hoje não temos um único caminho. Ele conseguiu iniciar essa quebra de padrões, porque se formos pensar lá em Portugal, antes do Fernando tínhamos o simbolismo, tudo muito igual, aquele decadentismo, tudo muito maçante e o mais genial do Fernando Pessoa, é que ele tem consciência e um olhar absolutamente racional para essa criação, então ele consegue  teorizar através dessa experiência prática dele. 


É genial, ele tem textos teóricos que são sensacionais, ele explica esses níveis de poesia, desde os mais rasos, onde o poeta está muito próximo do eu lírico até chegar nesse desdobramento e ter consciência disso, porque pelo lado psiquiátrico a pessoa pode ter essas múltiplas personalidades sem ter consciência disso. A questão é que Fernando Pessoa tem consciência dessas multiplicidades e talvez por isso o eu lírico dele sofre tanto, porque ele tem consciência desses desdobramentos da alma humana, de alguém que está no início do século XX. Você pega um texto do Alberto Caeiro, outro do Fernando Pessoa ortônimo e um do Ricardo Reis, são três pessoas completamente diferentes.



Tem algum heterónimo que você se identifica mais?  


Alberto Caeiro, com certeza, eu procuro aplicar na minha vida tudo que propõe. A grande lição do Alberto Caeiro é que somos muito pequenos diante da imensidão do mundo e que está tudo bem ser pequeno, isso não precisa causar nenhum tipo de vergonha e nem angústia. Ficamos às vezes muito no mental, confabulando aqui, nós e nossos pensamentos que acabamos criando mundos e o Alberto Caeiro nos faz voltar para a base, olhar para flor, sentir o cheiro, tocar… Isso é a vida na verdade. 




Qual a contribuição mais duradoura que você acredita que o Fernando Pessoa deixou para a literatura e para a complexidade da compreensão humana? 


Para a literatura eu penso que é essa literatura de vanguarda, essa forma absolutamente autoral de pensar a literatura, porque se formos na linha do tempo das escolas literárias, de alguma forma, tudo que veio retomava algo anterior então até acostumamos ensinar nas aulas dessa maneira. Até o final do século XIX, todos de alguma maneira, copiaram e atualizaram alguma coisa que já tinha sido feita. O Fernando Pessoa faz algo que é muito inovador, por isso eu acho ele genial. Agora para a vida, para os leitores e para quem usa Fernando Pessoa como um dos seus mestres, como faço por exemplo, eu acho que a grande contribuição é mostrar uma forma de lidarmos com as contradições humanas: a gente não precisa ter resposta para tudo, podemos surtar, mudar, ser várias coisas ao mesmo tempo e que isso não é loucura, isso é da natureza humana. 



Algum poema específico, alguma coisa que o Fernando Pessoa escreveu que represente alguma coisa para você especialmente? 


Interessante porque eu gosto muito de Alberto Caeiro, mas tem um poema do livro Mensagem que eu gosto muito que é o “Mar português”, porque eu acho que nos mostra que a vida sempre vai trazer desafios: a vida sempre será um alto mar, sempre vai ver monstros, sempre vai ter medos e que não é para ficar olhando para a praia com medo de encarar o mar, porque você precisa ir. Talvez alguém fique te esperando na areia, talvez aconteça de morrer no caminho, mas o importante é que você foi, então se aquilo é seu propósito… Se a alma não é pequena, tudo vale a pena. 


Agora se você me perguntasse qual o poema da vida que marcou, não foi nem do Fernando Pessoa, é um poema do Drummond que se chama “Canto Esponjoso" que é justamente a contemplação da natureza, o quanto somos pequenos e insignificantes diante da imensidão do mar. Esse poema para mim é Alberto Caeiro e junta também com o “Mar português.”



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