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  • Maysa Rocha

O poeta das Infâncias: Manoel de Barros

Manoel de Barros é um escritor brasileiro e dia 13 de novembro completou 9 anos do seu falecimento, para homenageá-lo, falaremos um pouco sobre sua vida e sobre seus maiores feitos na poesia vanguardista da década de 45. Foi um poeta que teve uma escrita única, marcada por neologismos e desconstrução da linguagem.


"Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando." Manoel de Barros , Poesia completa.

Manoel de Barros nasceu em 19 de dezembro de 1916, em Cuiabá. Além de poeta, fez faculdade de direito e foi fazendeiro. Em 1946 casou-se com Stella Leite com quem teve três filhos: João, Maria e Marta. Nos seus últimos anos de vida residiu em Campo Grande e dia 3 de Novembro de 2014 faleceu aos 97 anos por falência múltipla dos órgãos.

Sua escrita é marcada pela simplicidade, possui um caráter autobiográfico (principalmente sobre sua infância), uso de neologismos, enaltecimento da natureza e traços regionalistas. A infância do Manoel foi no Pantanal, no meio da natureza e da simplicidade e ele explora estas características de sua infância nos seus livros Menino do Mato (2010), Cantigas de um passarinho à toa (2003) e Memórias inventadas (2008).

Ele fez parte da terceira geração do Modernismo brasileiro, a geração de 45. É considerado um dos maiores poetas brasileiros, sendo agraciado com diversos prêmios literários, entre eles, destaca-se o prêmio Jabuti, que ganhou com a obra: “O guardador de águas” (1989) e “O fazedor de amanhecer” (2002).

A poesia de Manoel de Barros possui caráter imaginativo, ou seja, deforma a realidade e a visão é dada pela sensibilidade do poeta; o mundo segundo sua concepção de mundo. O trecho do poema “Borboletas” mostra bem essa visão:

“Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas”.

Para ele, a poesia é uma voz de fazer nascimentos, é assim que ele defendia sua escrita poética e a cada vez que uma poesia era criada, era criado junto, uma nova forma de enxergar o mundo. Manoel falava da infância como um território de liberdade, além de tudo, defendia o criançamento da palavra, ou seja, uma linguagem mais simples e fazer da palavra um cenário de brincadeira.

Sua escrita possui um caráter imaginativo e assim como no imaginário das crianças, as coisas nunca são o que parecem ser, por exemplo: o pente pode ser uma begônia ou uma gravata, um sapo pode sonhar em ser passarinho, e as árvores e animais falam.

Manoel de Barros é o criador de muitos neologismos que são vistos em seus poemas e fazem parte da sua extensa obra poética, veremos aqui algumas palavras inventadas por ele. Vale relembrar que neologismo é o nome que se dá a uma palavra recém criada ou uma palavra existente que adquire um novo significado. Dito isto, seguem as palavras:

  • Campinal - um lugar vasto, sem obstáculos, onde o rio prefere inventar novas margens;

  • Desacontecido - aquele busca representação histórica através da simplicidade;

  • Desmorrer - ato quase morrer e reconquistar as forças;

  • Entesouro - embelezar algo;

  • Horizontar - conectar-se em todas as direções;

  • Ignorãças - inversão dos valores tradicionais, erigindo o esquecimento em sabedoria;

  • Invencionática - só usa a palavra para compor o silêncio;

  • Jiboiar - digerir uma refeição em repouso;

  • Luaçal - multiplicação do reflexo da lua no brejo;

  • Manoelês - Dialeto inventado por Manoel de Barros (idioleto Manoelês Archaico) ;

  • Passarinhal - livre como o passarinho tem que ser;

  • Vespral - acontecimentos que irão preceder a época de chuva no Pantanal;

  • Vedor - aquele que consegue ver a calmaria.

Inaugurada em dezembro de 2017 pelo artista Ique Woitschach, a estátua de Manoel de Barros está completando seis anos em dezembro de 2023. Logo após sua inauguração, a estátua passou a atrair muitos turistas em Campo Grande - MS, já você pode se sentar ao lado do poeta em tamanho real para tirar fotos! Maísa Barros, nora do autor infantil, disse em entrevista ao G1 que Manoel gostava de receber amigos, visitas e pessoas interessadas em seus livros no sofá da casa dele, então a escolha para a estátua foi certeira! Mas essa história é no mínimo inusitada, já que após 8 meses da sua inauguração a estátua amanheceu sem um dos pés. Os moradores da cidade e fãs do autor começaram a pedir para a Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul (FCMG) que se consertasse a estátua, dois anos depois a estátua apareceu com uma bota de cowboy no lugar do pé que faltava. Em Abril deste ano (2023) a FCMG se posicionou falando que em breve consertariam a estátua.

Estátua de Manoel sem o pé. Logo abaixo, na esquerda, o improviso feito pelos moradores e no lado direito, a estátua original.



A obra “Poemas concebidos sem pecado e face imóvel” (1937), transcende os limites da poesia convencional, explorando as teias da existência humana entrelaçadas com a natureza. Neste universo literário, Manoel de Barros desafia as normas da poesia concreta, numa época em que a poesia era escrita de forma regrada, utilizando assim uma linguagem e forma de poesia inovadora que te faz escapar do cotidiano. Sua obra poética em si, explora a alma humana em sintonia com o meio ambiente, ele explora os elementos da natureza como matéria prima, sem deixar escapar o humor e um poema ou outro. Manoel sempre buscou exaltar pessoas humildes em suas obras, inclusive nesse livro, ele mostra essa percepção nos excêntricos, os prestadores de serviço e os pobres. A habilidade de expressar poeticamente o mundo através de um olhar perspicaz e atento aos detalhes geralmente negligenciados está evidente nos poemas de "Face Imóvel" também. Em todos os poemas deste volume, observa-se a convergência entre os ritmos da poesia e os da prosa, uma característica que se tornou uma das principais marcas na obra desse poeta, colocando-o de forma definitiva entre os grandes nomes de nossa literatura.



Nesse livro é possível se sentir saindo do estado de inércia das convenções e mergulhar nas correntezas de sua poesia, onde cada palavra é uma pedra lançada na água criando círculos intermináveis de significado.

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio, do que do cheio. Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito, porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens, e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
(Exercícios de ser criança, 1999, p.9)


Alguns títulos de Manoel de Barros que estão disponíveis no acervo da nossa Biblioteca.

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