Nós que Somos, Laços que Herdamos
- Gabriela Traversim
- há 1 dia
- 3 min de leitura
Clarice foi uma escritora de fecunda produção e brilho singular. Reverenciada além das fronteiras do Brasil, teve sua genialidade exaltada pela atriz Cate Blanchett, que, durante um discurso no Festival de Cinema de San Sebastián, a chamou de 'gênio em absoluto'. Suas obras são de leitura obrigatória, seja pelos vestibulandos ou pelos leitores que apreciam a carga literária de seus textos. A publicação de hoje vai se embrenhar nos pormenores pela coletânea “Laços de Família”, publicado em 1960 e leitura indispensável para os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.
A coletânea “Laços de Família”, escrita por Clarice, é uma das obras mais conhecidas da autora. Seus contos, simples em um primeiro momento, mas extremamente densos e complexos em uma leitura mais atenta, desvela as complexidades do mundo a partir dos pontos de vista de diferentes personagens, sobretudo, das personagens femininas.
O livro possui 13 contos - mais o posfácio escrito por Clarisse Fukelman - e nele encontram-se personagens - adultos ou adolescentes - que diante do cotidiano e da vida doméstica se veem desestabilizados a partir de eventos banais que estão intimamente ligados a vida familiar de cada um.
A epifania, característica recorrente na literatura de Clarice Lispector, está presente em todos os contos e é a partir dessa ruptura com a realidade do cotidiano que os personagens se veem confrontados e entram em uma auto análise que os divide em antes e depois de determinadas experiências. No conto, “Amor", é o momento em que Ana se depara com o cego mascando chiclete. Já no conto “A imitação da rosa”, é quando Laura percebe não ser merecedora das flores tão belas que enfeitam sua sala. No conto “Feliz Aniversário” a epifania aparece no momento em que a matriarca da família, Dona Anita, se depara com a hipocrisia da família a partir do incômodo gerado pela performance coletiva de seus descendentes.
A coletânea de Clarice recebeu o prêmio Jabuti, a maior honraria da literatura brasileira, em 1961. Em 2023, a revista QuatroCincoUm responsável pela produção do podcast 451 MHz publicou em dois episódios a entrevista perdida de Clarice. Em 1976, Clarice deu uma entrevista para Marina Colasanti, Affonso Romano de Sant’Anna (falecidos em 2025), e João Salgueiro para o MIS, o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. O áudio da entrevista, que até então estava corrompido, foi tratado e restaurado pela revista The New Yorker com apoio do biógrafo oficial da autora, Benjamin Moser. Para ouvir a entrevista completa, confira os links abaixo:
A obra de Clarice Lispector permanece tão necessária quanto fascinante, especialmente em tempos em que a sensibilidade e a introspecção parecem sufocadas pelo imediatismo. “Laços de Família” é um convite à escuta do não dito, ao mergulho nas entrelinhas da existência familiar, onde gestos corriqueiros carregam o peso do inominável. Ao percorrer os contos da coletânea, o leitor é chamado a abandonar certezas e a se permitir afetar pelas inquietações que atravessam cada personagem. Revisitar Clarice, portanto, é mais do que um exercício literário — é um ato de redescoberta do humano em suas formas mais sutis e profundas.
Bibliografia de Clarice Lispector:
Romances:
Perto do Coração Selvagem (1943)
O Lustre (1946)
A Cidade Sitiada (1949)
A Maçã no Escuro (1961)
A Paixão segundo G.H. (1964)
Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969)
Água Viva (1973)
A Hora da Estrela (1977)
Um Sopro de Vida (1978)
Contos:
Alguns contos (1952)
Laços de Família (1960)
A Legião Estrangeira (1964)
Felicidade Clandestina (1971)
A Imitação da Rosa (1973)
Onde Estivestes de Noite (1974)
A Via Crucis do Corpo (1974)
O Ovo e a Galinha (1977)
A Bela e a Fera (1979)
Literatura infantil:
O Mistério do Coelho Pensante (1967)
A Mulher que Matou os Peixes (1968)
A Vida Íntima de Laura (1974)
Quase de Verdade (1978)
Como Nasceram as Estrelas (1987)