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  • Foto do escritorGabriela Traversim

Como esses nomes de rua

Texto escrito por Gabriela Traversim Constantino, gestora da Biblioteca Escolar do Colégio Uirapuru. No Blog dessa semana, Gabi nos conta um pouco sobre o livro “O limpador de placas”, da jornalista alemã Monika Feth e nos presenteia ainda com uma poesia de Mário de Andrade, sobre sua trajetória de vida. O livro de Feth, ilustrado por Antoni Boratynski, conta a história de um humilde limpador de placas que se descobre um amante da música e da literatura.



Você já reparou que algumas placas de rua possuem nomes de personalidades importantes da história? Aqui em Sorocaba, temos a Av. Juscelino Kubitschek, Rua Baltazar Fernandes, Av. Comendador Pereira Ignácio… Inclusive, nossa escola está localizada na Av. Professor Arthur Fonseca, em homenagem ao “vô Arthur”, como é carinhosamente conhecido o fundador do Colégio e pai do nosso diretor, o prof. Arthur Fonseca Filho. Estas ruas contam a história das cidades. O personagem principal da história de hoje, percebeu que em seu trabalho, de limpador de placas de rua, muitas vidas e muitas histórias eram contadas nos nomes das placas que limpava.

Rua Guimarães Rosa, Av. Thomas Mann, Alameda Beethoven, Rua Villa-Lobos, Alameda Machado de Assis, Rua Monteiro Lobato, Praça José de Alencar, eram apenas alguns dos muitos nomes que apareciam diariamente na vida do limpador. Este homem humilde e dedicado, passava os dias limpando estas placas com muito primor e dedicação, até perceber que não conhecia aquelas pessoas, de quem ele “cuidava” todos os dias.

É impossível ler “O limpador de placas” e não lembrar do poema de Mário de Andrade que segue:


Na rua Aurora eu nasci


Na rua Aurora eu nasci na aurora de minha vida E numa aurora cresci.


no largo do Paiçandu Sonhei, foi luta renhida, Fiquei pobre e me vi nu.


nesta rua Lopes Chaves Envelheço, e envergonhado nem sei quem foi Lopes Chaves.

Mamãe! me dá essa lua, Ser esquecido e ignorado Como esses nomes da rua.


O poema, que acabamos de ler, faz parte do livro Lira Paulistana, de 1945. Nele, Mário de Andrade** passa em revista sua trajetória de vida e faz o reconhecimento envergonhado de não saber quem foi Lopes Chaves*, que dava nome à rua onde viveu, por muitos anos, e morreu. A poesia finda com a expressão do desejo do escritor, em um carinhoso pedido dirigido à sua mãe, de que ele fosse reconhecido a ponto de merecer dar nome a uma rua, mesmo que seu destino viesse a ser, como os de muitos outros nomes de rua: esquecido e ignorado.

Desejo mais do que realizado. Hoje, Mário, um dos fundadores do movimento Modernista no Brasil, nomeia muitas ruas, em diferentes cidades brasileiras. O escritor Fernando Sabino, amigo e pupilo de Mário, conta, em uma entrevista, que, certa vez, foi buscar uma amiga na Rua Mário de Andrade, no bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro, e que essa lhe confessou desconhecer o homem que dava nome à sua rua.

Se todos fossem como o limpador de placas, Mário jamais realizaria o sonho de ser esquecido e ignorado. Pois, o limpador, a partir da percepção de que desconhecia os homenageados, nas placas que ele cuidava com tanto esmero, decidiu ir atrás da história daquelas pessoas. E um grande universo se abriu para ele, ao conhecer compositores, estudar suas obras e aproveitar as maravilhas que a música lhe dava.

Também começou a frequentar a biblioteca municipal e seu dia passou a ficar recheado de contos, textos, poemas e histórias. O limpador, não se conteve apenas em conhecer as personalidades por meio de suas histórias e escritos, passou também a estudar tudo o que os homenageados estudavam, a buscar o conhecimento por trás de cada arte e se apaixonou.

Engana-se quem pensa que ele abdicou de sua humilde profissão. Continuou, dia a dia, proclamando e recitando seus versos enquanto trabalhava, limpando e polindo suas queridas placas. Esta história singela, foi escrita em 1995, mas ela é atemporal e nos mostra que o conhecimento está em tudo, não apenas nas palavras, nos livros e pessoas eruditas, mas em qualquer lugar e a qualquer momento, por toda a nossa volta. Podemos aprender com tudo e com todos.

As pessoas que passavam ouviam o limpador e paravam admiradas, de olhos fixos na escada azul. É que elas nunca haviam visto um limpador de placas como aquele. Quase todos os adultos acham que algumas pessoas servem só para limpar placas, outras, só para escrever poemas ou melodias. As primeiras denominam trabalhadores; as outras, pessoas cultas e eruditas. O fato de alguém fazer as duas coisas, ao mesmo tempo, deixava essa gente tão atrapalhada que todo o seu modo de pensar desmoronava, desmanchava-se como um papelzinho no meio do fogo.” FETH, Monika, 2017, p.


* Nascido nobre, Lopes Chaves foi um político brasileiro que viveu em São Paulo, durante o Império

**Para saber mais sobre a vida do poeta, na Rua Lopes Chaves, 546, Barra Funda, atualmente, existe a Casa Mário de Andrade, espaço cultural dedicado ao escritor.

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