Composta por uma escrita curta e em prosa, a crônica surgiu, especialmente, para ser veiculada na imprensa, ficando popularizada nos jornais. Capaz de capturar a vida cotidiana de uma forma única e pessoal, o gênero se destaca por seu alto nível cômico e ao mesmo tempo muito reflexivo.
Embora a crônica possa parecer simples à primeira vista, muitas vezes é um texto que revela camadas profundas de significado. Ela pode ser usada para explorar questões sociais, culturais e políticas de forma sutil e até mesmo subjetiva. Muito confundida com o conto, a crônica possui algumas características que a tornam única, como:
Cunho jornalístico: por se tratar de um relato real, costuma trazer fatos ou ideias de acontecimentos possíveis dentro da realidade, sem qualquer elemento de fantasia ou ficção.
Texto datado: ao trazer contextos específicos da realidade, uma crônica escrita hoje, pode não fazer mais sentido dentro de uma outra época, por isso, aliás, seu valor sociológico dentro da História, se tornando um grandioso documento para a compreensão do passado; diferente de um conto, que cabe em qualquer espaço de tempo.
Linguagem coloquial: sua linguagem é simples, o que a torna acessível e por isso, de fácil leitura e compreensão até mesmo por aqueles que não são leitores tão vorazes.
Veja abaixo, um trecho de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada no Jornal do Brasil, no ano de 1984, em que é possível perceber a presença destes elementos:
“Ciao”
Há 64 anos, um adolescente fascinado por papel impresso notou que, no andar térreo do prédio onde morava, um placar exibia a cada manhã a primeira página de um jornal modestíssimo, porém jornal. Não teve dúvida. Entrou e ofereceu os seus serviços ao diretor, que era, sozinho, todo o pessoal da redação. O homem olhou-o, cético, e perguntou:
- Sobre o que pretende escrever?
- Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, moral, coisas deste mundo e de qualquer outro possível.
O diretor, ao perceber que alguém, mesmo inepto, se dispunha a fazer o jornal para ele, praticamente de graça, topou. Nasceu aí, na velha Belo Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou sem assunto, comete as suas croniquices.
Uma curiosidade é que “ciao” é o mesmo que “oi” e também “tchau” em italiano, sugerindo, no texto, uma ideia de despedida, já que se tratava da última crônica do autor para o jornal.
Outro ponto bastante importante é a relevância da crônica para a Literatura. Ela desafia a noção de que o universo literário deve ser composto apenas por obras densas e complexas, mostrando que a simplicidade e a concisão também podem transmitir mensagens poderosas. Os assuntos do cotidiano, temática já antes citada, fazem com que o texto se conecte diretamente com os leitores, tornando-se relevante para um público amplo.
Além do mais, a crônica permite que os escritores explorem uma grande gama de ideias, desde as mais leves e humorísticas até as mais profundas e filosóficas, a tornando um gênero versátil, capaz de se adaptar às diferentes necessidades de expressão artística e de comunicação.
E por falar nisso, não poderíamos deixar de mencionar alguns cronistas de destaque, como:
Machado de Assis: muito citado como um mestre da crônica, o autor se destaca por sua perspicácia sobre a sociedade cultural da época, além de um estilo elegante de escrita.
Luís Fernando Verissimo: um dos escritores brasileiros mais conhecidos, Verissimo é aclamado por conta de seus textos humorísticos e bastante inteligentes, em um flerte com a ironia da vida moderna.
Fernando Sabino: com imensa delicadeza e simplicidade no uso das palavras, o autor traz em suas crônicas suas experiências pessoais, memórias de infância e uma visão única sobre o mundo.
Rubem Braga: considerado um dos maiores cronistas do país, Braga tem um estilo único e que cultivava o hábito de escrever eliminando excessos, usando de uma narrativa ágil e despojada, além de uma escrita que possui um tom memorialístico, irônico e opinativo.
Finalizamos, então, com um trecho de uma fala sobre a crônica, do professor e crítico literário Antônio Candido, em seu artigo “A vida ao rés-do-chão” (1980), que resume em um desfecho ideal, o que foi dito até aqui e talvez, sua efemeridade caiba bem nos tempos atuais como uma possibilidade de texto da modernidade:
“Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque quase sempre utiliza o humor. Isto acontece porque não tem pretensões a durar, uma vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa”.
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